QUEM É VOCÊ, REALMENTE?

Marcos Pontes

Existe um grande universo lá fora. No espaço, olhando para esse universo durante os momentos especiais de calma, longe da agitação do trabalho na espaçonave e das comunicações com o solo, pude refletir sobre muitas coisas da vida, e além.
Foi durante um desses momentos que, procurando por explicações e razões entre estrelas distantes, acabei encontrando um outro universo, dentro de mim.
A maioria das pessoas passa grande parte da vida procurando alguma coisa para se identificar como “ser-humano”, algo importante que possa ser usado para justificar seus esforços e comportamentos, para associar o seu nome e a sua existência a essa “coisa”.
Nessa procura incessante, surgem grandes frustrações, depressões, desespero, mudanças, estresses, e tantas outras coisas comuns nos dias de hoje. Carros bonitos, dinheiro, posição, títulos, corpo, beleza, poder, etc. São tantas coisas usadas para rotular o que uma pessoa é, ou faz, nessa Terra.
O grande problema é que todas essas coisas passam, mudam, evoluem. Tudo o que não faz parte, realmente, do que somos, um dia se transforma. Infelizmente, para aqueles que se identificaram com essas “coisas criadas pelo homem”, os momentos de mudança, nos quais essas coisas desaparecem, são grandes desafios, cheios de frustração e medo. É interessante pensar que, no final das contas, nos nossos últimos dias, a única realidade que importa não são os carros, os títulos, ou quaisquer outras coisas como essas. O que realmente importa é o que somos. Você já viu alguém se lamentar, no leito de morte, por não ter passado mais tempo no escritório, ou pelo risco na pintura da porta da sua Ferrari?
A pergunta básica é simples: quem sou eu?
A resposta também é simples: você é um ser muito especial, um diamante feito para brilhar, para ser feliz, desde que você não se esconda da luz, desde que você não se esconda de você mesmo.
Não tente se identificar com nada nesse mundo. Você não precisa. Você é muito mais do que isso.
Todos nós refletimos sobre a nossa vida de tempos em tempos. Isso é saudável e importante para o nosso aperfeiçoamento pessoal, em todas as áreas da vida, em especial, para nos tornarmos mais conscientes do que realmente somos.
O problema é que muita gente, além de se identificar com coisas materiais, também associa a sua própria imagem a eventos muito negativos do passado, ou expectativas falsas do futuro.
Em termos do passado, existe sempre a tendência de se confundir auto-reflexão com auto-crítica destrutiva, como se isso fosse te “ensinar a maneira certa de se fazer alguma coisa” no futuro, ou com auto-humilhação, como se você deixasse de merecer respeito ou consideração no presente baseado na sua “auto-avaliação”, e condenação, por algo do passado.
Assim, a lembrança da própria participação nos eventos passados vem sempre carregada de desprezo, raiva, remorso, etc. Isso não é auto-reflexão. Isso é uma perda de tempo e, na verdade, ao invés de servir como lição para o aperfeiçoamento pessoal, acaba funcionando como uma tentativa deliberada de sabotar o próprio futuro.
Por que?
Primeiro, porque, quando essas pessoas fazem sua “auto-crítica destrutiva”, ao invés de usarem a experiência de algum erro passado para desenvolver um novo comportamento para situações semelhantes no futuro e voltar o foco para o novo procedimento, elas simplesmente ficam fixadas no erro. Assim, ficam “passando o filme de falha” inúmeras vezes nas suas mentes, com grande enfoque “na sua culpa”, e procurando situações similares no presente onde possam “exercitar a mesma falha”. Isso normalmente é chamado de ansiedade, que é extremamente prejudicial para a performance. Ou seja, quando tiverem chance, vão repetir o erro!
Segundo, porque, quando praticam “auto-humilhação”, essas pessoas não estão sendo modestas, elas estão, na verdade, deixando de brilhar como deveriam, impedindo o seu próprio desenvolvimento, e negando-se a dar a sua contribuição, com a sua inteligência e a sua capacidade, para o bem de todos.
Em termos de expectativas falsas para o futuro, quando alguém procura se definir ou se identificar com alguma coisa material ou outra criação humana, como títulos e poder, ela poderá ter a falsa sensação de segurança e estabilidade, por algum tempo. Contudo, como todas essas coisas passam e mudam, haverá um momento de “perda da identificação”! Um instante a partir do qual essa pessoa terá que deixar de ter “aquela identificação” e identificar-se com outra coisa. Isto é, terá que deixar de ser “ela mesmo”!
A pergunta é: isso é possível? Claro que não! Isso só gera confusão e tristeza. O erro inicial foi a identificação pessoal com algo que não é, na realidade, a própria pessoa.
Assim, seja você mesmo, sempre! Identifique seus erros e acertos do passado. Assuma responsabilidade sobre eles. Aceite-os, corrija os procedimentos para o futuro, e siga em frente. Perceba que você não é melhor e nem pior do que ninguém. Você é você! Não se identifique com nada que esteja fora do seu espírito.
Finalmente, lembre-se que pessoas arrogantes são simplesmente pessoas que perderam, ou têm medo de perder, a sua identificação (na verdade, não sabem mais o que são) e, no seu íntimo, sentem-se inferiores, incapazes e revoltadas com o mundo. Assim, por se sentirem tão inseguras, oprimidas e sem controle sobre o próprio destino, lutam desesperadamente para provar a si mesmo que ainda são “alguma coisa” e que têm poder sobre “alguma outra coisa”, ou alguém.

Marcos Pontes
Colunista, professor e primeiro astronauta profissional lusófono a orbitar o planeta, de família humilde, começou como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP), para se tornar oficial aviador da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA).
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